Leia o texto para responder a questão
Vende-se felicidade
Quando eu era criança, ficava intrigada ao ouvir um adulto
dizer que não podia comprar alguma coisa. Pensava sempre com
os meus botõezinhos (já bem agitados à época) que aquilo não
fazia o menor sentido. Afinal, o que é que custava pegar a caneta
e preencher uma das muitas folhinhas do talão de cheques, no
valor da mercadoria desejada?
E só não pensava que seria mais fácil ainda passar o cartão
de crédito na maquineta da loja (como, imagino, devem cogitar
as crianças de hoje), porque esse instrumento de compra ainda
não havia sido inventado à época.
Em pouco tempo, percebi que as folhinhas de cheques, em si
mesmas, não tinham qualquer serventia. Era preciso trabalhar (e
muito!) para que elas adquirissem algum poder de compra.
Essas lembranças da infância me vieram à mente num dia
desses, após receber em casa um jornal cuja reportagem de capa
trazia a velha pergunta: “O dinheiro compra felicidade?”
Embora o assunto nada tenha de novo, o que me chamou a
atenção, nesse caso, foi o resultado da pesquisa feita por uma
empresa de consultoria de investimentos em treze países, inclusive
o Brasil, em que noventa e três por cento dos entrevistados
responderam de forma afirmativa à indagação.
Não discordo dessa maioria esmagadora. Afinal, no mundo
em que vivemos, o dinheiro é essencial para se concretizar a
maior parte dos anseios, que, em geral, estão mesmo voltados,
direta ou indiretamente, à aquisição de bens de consumo.
Inspirada pela reportagem do jornal, fiquei imaginando
como nos comportaríamos se, num belo dia, acordássemos com
a notícia da promulgação de uma lei determinando a extinção do
dinheiro.
No estágio em que estamos, acredito que a novidade, por si
só, não nos tornaria consumidores menos ávidos. Porque continuaríamos
sujeitos aos bombardeios e apelos diários dos meios
de comunicação, que nos impelem a comprar sempre e cada vez
mais. Na falta do dinheiro, certamente nos valeríamos de algum
mecanismo de troca, a fim de darmos continuidade a todo esse
processo de acúmulo de bens.
Cheguei à conclusão, então, de que não é o dinheiro o vilão
da história. O problema está em nós mesmos, que, insatisfeitos
com aquilo que já temos, criamos novas necessidades a todo o
tempo e, a fim de supri-las, consumimos de forma desenfreada
e irresponsável. Movidos por desejos que parecem não ter fim,
compramos coisas das quais não precisamos, com o dinheiro que
muitas vezes não temos. Endividamo-nos, irracionalmente, convictos
de que o dinheiro pode mesmo comprar tudo, inclusive a
tão sonhada felicidade.